Poetriceria III - o campo de ouro

O Dr. Fernandes instalara as duas poltronas junto à lareira. O frio daquele inverno assim o exigia, para que pudessemos colocar no cabide os nossos pesados casacos.
- Importa-se que fume? - perguntei sabendo que ele não se importaria.
- Faça favor, está em casa. - retorquiu o outro com a bonomia que lhe é característica.
- Aquilo que me traz aqui é um metáfora. Imagine que tem um campo. Porém, diria, não é um campo qualquer...Tem ouro no seu seio, no seu interior.
- Estaria rico, caro amigo!
- Sim, sem dúvida. Diga-me, então, o que seria normal sentir em relação a ele? - Sigo o percurso do fumo e a rota da cinza que mando para a lareira.
- Coloca-me uma questão aparentemente fácil mas que é difícil no seu cerne. Como não sei onde quer chegar, diria que me sentia feliz por ter tamanha riqueza. Achas que não?
- Acho que sim...
- E você, o que sente?
- Para além da felicidade, sinto medo! - falei sem medo.
- Medo???
- Sim. - falo com calma mas o meu interior revolta-se nas entranhas. - Tenho medo de o perder, receio da cobiça dos outros que vêm esse ouro e, dentro em breve, saberão da riqueza que se encerra no seu interior.
- Mas tem de controlar esse medo. - apelou o outro com calma.
- Tenho? O que sentiria? - arrisquei para saber se, de facto, falava com um homem ou com um E.T.
- Sentiria o mesmo que sente, sem dúvida. Tenho da cobiça, do roubo, das atitudes dos outros, da morte.
- Vejo que me compreende.
- Compreendo a sua preocupação e a sua tristeza. Mas o que poderá fazer?
- Não sei... Não sei... - e a minha voz esvaia-se por entre pensamentos, tremores e dores.
Levanto-me, atiro o cigarro para a lareira, pego no casaco e saio, deixando o Dr. Fernandes com os olhos fitos no fogo e, talvez, no crepitar da madeira.

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